Médicos defendem vacinação entre meninos para combater o HPV

Médicos defendem vacinação entre meninos para combater o HPV


Publicado em: 22/07/2015 18:18 | Autor: 337

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Uma matéria publicada na coluna de Cristiane Segato, no site da revista Época levanta uma discussão muito importante em um momento onde é cada vez mais comum, principalmente entre os jovens, que se relacionam com vários parceiros (as) e nem sempre tomam os devidos cuidados para evitar o contágio com vírus.

No texto ela aborda a possibilidade de meninos também serem vacinados contra o Papiloma Vírus (HPV). Veja na íntegra o texto:

Chegará o dia em que o papilomavírus humano (HPV) será uma preocupação do passado na maioria dos países – inclusive no Brasil? Os otimistas acreditam que sim. É o caso do virologista alemão Harald zur Hausen, ganhador do Prêmio Nobel, em 2008, pela descoberta de que o HPV pode causar câncer de colo do útero.

“Temos a chance de erradicar o HPV se os governos adotarem programas globais de vacinação para todas as crianças”, afirmou Hausen, segundo o jornal britânico The Independent.

Para o Nobel, não basta vacinar as meninas. "Os homens precisam entender que eles também transmitem e recebem HPV. É uma questão de solidariedade entre gêneros", declarou ele em 2010, quando esteve no Brasil.

Vacinar os meninos seria de “fundamental importância”, segundo Hausen, não apenas porque a imunização poderia protegê-los de outros tumores provocados pelo HPV (como os de garganta e outras estruturas da cavidade oral, pênis e ânus). A principal razão para incluir os garotos nas próximas campanhas seria quebrar a cadeia de transmissão. Meninos imunizados não passariam o vírus a parceiras ou parceiros que não tivessem sido alcançados pelas campanhas. 

No Brasil, um dos defensores dessa ideia é o cirurgião oncológico Luiz Paulo Kowalski, diretor do Núcleo de Cabeça e Pescoço do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. Estudos realizados na instituição demonstraram que 32% dos tumores diagnosticados na cavidade oral de pacientes com até 40 anos estavam relacionados ao HPV.

O vírus chega a causar até 80% dos tumores de amígdala, segundo pesquisas realizadas no Exterior. Nos Estados Unidos, o HPV é uma grande preocupação, não apenas pelos tumores de colo do útero. A incidência de câncer de garganta triplicou no país nos últimos 20 anos. Até 2030, estima-se que haverá, entre os americanos, mais tumores de cabeça e pescoço provocados pelo HPV do que pelo cigarro.

“É muito difícil interferir nos hábitos sexuais das pessoas”, diz Kowalski. “Daí a importância de vacinar meninos e meninas, antes do início da vida sexual”. É claro que nem todo mundo que faz sexo oral terá câncer em estruturas da cabeça e do pescoço, mas o risco aumenta.

“A saliva pode transmitir o HPV, mesmo quando não há contato sexual”, afirma Kowalski. “É comum, nas baladas, que os adolescentes beijem quatro ou cinco pessoas diferentes numa única noite. Eu me preocupo com isso e espero que a discussão sobre a vacinação dos meninos avance no Brasil”.

Há razão para cautela, não para pânico. Ainda que o HPV possa ser transmitido por beijo ou até mesmo por copos ou talheres, essa forma de infecção é rara. Um estudo realizado com mais de 5 mil americanos de 14 a 69 anos revelou que 7% dos voluntários tinham uma infecção oral pelo HPV. No entanto, ela ocorreu em menos de 1% das pessoas sem qualquer experiência sexual.

No Brasil, a vacina está disponível para meninos, nas clínicas privadas, desde 2009. As campanhas oficiais são destinadas apenas às meninas e, mesmo assim, têm enfrentado baixa adesão.

Uma das razões são os relatos de reações adversas ocorridas em garotas que receberam a vacina. Segundo o Ministério da Saúde, a Organização Mundial da Saúde e outros órgãos, ela é segura e não há evidências de que os graves problemas de saúde tenham sido causados pelas doses.

Uma vacina capaz de prevenir o câncer é um tremendo desenvolvimento. Uma enorme ferramenta de saúde pública, principalmente quando se torna acessível a todos. Ainda assim, é preciso entender a dimensão do risco imposto pelo HPV para conseguir avaliar os reais benefícios da vacinação. 
 
A maioria das pessoas tem contato com o vírus ao longo da vida e o elimina naturalmente. O câncer de colo do útero ocorre em 0,5% das mulheres infectadas. Tumores de pênis afetam 0,05% dos homens infectados.

Convencer os governos a comprar doses para toda a população de meninos e meninas é, obviamente, o maior objetivo dos fabricantes da vacina. Por mais que existam razões científicas para justificar a adoção de medidas como essa, os recursos da saúde, mesmo nos países mais ricos do mundo, são escassos.

Não é possível adotar no sistema público todas as inovações com a rapidez e com a abrangência que a indústria, os médicos e os pacientes almejam. Para fazer bom uso do dinheiro público destinado à saúde é preciso avaliar com rigor o custo e os benefícios de cada novidade que chega ao mercado.

É o que está acontecendo agora no Reino Unido, um dos países que mais levam a sério as avaliações técnicas antes de decidir o que fazer com o dinheiro público da saúde. Lá as meninas são vacinadas há vários anos.

O órgão britânico responsável pelas diretrizes sobre vacinação, o Joint Comitte on Vaccination and Immunisation (JCVI), recomendou que o governo ofereça a vacinação também aos gays. O argumento é o de que os heterossexuais estarão protegidos quando a maioria das mulheres estiver imunizada.

 

Fonte: Época